A dependência química e os vínculos familiares: crianças e adolescentes cada vez mais vulneráveis ao uso de substâncias químicas

Sou especialista em Saúde Mental com Ênfase em Dependência Química: psicofármacos, álcool e outras drogas, além de especialista em Educação, Saúde Mental e Direitos da família, da infância e da adolescência. Por este motivo, acredito ser importante conversarmos sobre este assunto.

A dependência química e os vínculos familiares: crianças e adolescentes cada vez mais vulneráveis ao uso de substâncias químicas

A fragilidade dos vínculos familiares acaba por sequenciar comportamentos desviantes que afetam a sociedade como um todo, visto que, a criança e o adolescente necessitam de um modelo a ser seguido, que propicie vivencias afetivas saudáveis, contribuindo para um melhor desenvolvimento cognitivo e emocional.

As consequências sociais e emocionais em adultos, ocasionadas pela ausência de laços afetivos na relação entre pais e filhos durante a infância e a adolescência, podem levar ao uso de substâncias, tais como, álcool ou outras drogas.

As famílias sentem-se fragilizadas quando um de seus membros faz uso de drogas, licitas ou ilícitas. Pessoas com transtornos do neurodesenvolvimento (autismo, superdotação etc) ou transtornos mentais (ansiedade, depressão etc) não estão livres do vício, muito pelo contrário, pessoas com comorbidades podem tentar preencher alguma lacuna justamente com o uso de substâncias químicas, principalmente as ilícitas. Mas, quero falar sobre isso em uma postagem especial sobre este assunto.

Mesmo as famílias estruturadas, com laços fortalecidos podem passar por uma experiência avassaladora como é o caso de pais lidarem com o uso de drogas pelos filhos, ou filhos terem que conviver com o uso de drogas por um dos pais.

Infelizmente, passamos por um momento de fragilidade dos vínculos afetivos e isso tem se tornado frequente no contexto familiar.

O que é dependência química?

A dependência química consiste na relação que uma pessoa tem com as drogas, licitas ou ilícitas, e na maneira como ela consome um determinado tipo de substância. Quando essa pessoa desenvolve comportamentos impulsivos para aliviar sensações em sua vida, o desenvolvimento de uma dependência pode ocorrer e afetá-la de uma forma geral.

Os tipos de dependência química se classificam pelas drogas administradas, podendo ser medicamentos como os ansiolíticos e anticolinérgicos, repositores hormonais, substâncias lícitas e ilícitas. A dependência química é um transtorno mental que pode trazer sérias consequências físicas e psicológicas. Ela é caracterizada pelo consumo constante e abusivo de substâncias que agem especialmente no sistema nervoso central. É o caso do álcool e da cocaína, por exemplo.

Entre outros efeitos, a dependência química provoca um conjunto de fenômenos cognitivos, fisiológicos e comportamentais que se manifestam depois do uso repetido de determinada droga. Para prevenir e tratar o problema, é importante saber reconhecer os sinais de que a pessoa está quimicamente dependente.

As drogas ilícitas causam diferentes efeitos, que também podem variar de pessoa para pessoa. Entretanto, as principais consequências do uso de algumas drogas no organismo são:

Maconha – distorce os sentidos e a percepção do tempo e pode causar confusão mental, paranoia, pânico, agitação e alucinações. As possíveis consequências do uso de drogas, nesse caso, são a perda de memória e da habilidade de processar informações complexas, irritação no sistema respiratório e desenvolvimento do câncer de pulmão.

Cocaína – pode causar a sensação de alerta e euforia ou de isolamento, ansiedade e pânico. As consequências do uso prolongado da droga são diminuição do sono, do cansaço e do apetite, alteração nos batimentos cardíacos, da pressão arterial e da temperatura. Quando usada em excesso, geralmente de forma injetável, pode causar overdose e morte.

Crack – é uma droga proveniente da cocaína que causa agitação e euforia e, logo em seguida, depressão. As principais consequências do uso de drogas, nesse caso, são perda de apetite, desnutrição, insônia, rachaduras nos lábios e gengivas, tosse, problemas respiratórios e cardíacos e sensação de perseguição.

Ecstasy – o efeito da droga é mudança na percepção de sons e imagens. Também causa aumento da temperatura corporal, desidratação, esgotamento físico e, em alguns casos, morte súbita. O uso contínuo pode causar ansiedade, medo, pânico e delírios.

Solventes ou inalantes – o efeito inicial da droga é euforia, mas, por poucos minutos. Entre as consequências do uso prolongado da droga estão: danos aos fígados e rins, perda de peso, ferimentos no nariz e na boca ou, ainda, a morte súbita por inalação de solvente, morte por falência cardíaca, ou morte por sufocamento.

Consequências do uso de drogas lícitas:

Álcool – pode agir como estimulante, deixando a pessoa desinibida e eufórica, mas, conforme a quantidade ingerida aumenta, a depressão, a diminuição da coordenação motora, dos reflexos e o sono podem aparecer. As consequências do uso prolongado da droga é o alcoolismo, a cirrose, o câncer no fígado e danos ao cérebro.

Tabaco – no caso do cigarro, quando usado por muito tempo, pode causar câncer de pulmão, de faringe, de boca, além de problemas cardíacos, circulatórios e pulmonares.

Medicamentos – a consequência do uso de remédios de maneira incorreta ou irracional pode acarretar em reações alérgicas, dependência e até a morte. Entre os riscos mais frequentes para a saúde daqueles que estão habituados a se automedicar estão o perigo de intoxicação e resistência aos remédios.

O uso exagerado de medicamentos pode gerar problemas de saúde, o principal órgão de metabolização de medicamentos é o fígado e o excesso deles pode acarretar em alguma doença hepática. Por exemplo, a intoxicação pelo paracetamol (vendido sem prescrição) pode levar a icterícia e a insuficiência hepática.

Sintomas de uma pessoa com dependência química:

  • Descontrole na vontade de usar a substância;
  • Aumento da tolerância da droga;
  • Crises de abstinência;
  • Alterações comportamentais;
  • Isolamento social e abandono de atividades cotidianas (escola, trabalho...);
  • Descontrole financeiro;
  • Negligência consigo mesmo;
  • Distúrbios do sono;
  • Distúrbios alimentares.

Como a dependência química afeta a família? 

O uso de drogas contribui de forma significativa para problemas familiares, como o rompimento de vínculos afetivos, agressividade, violência e vulnerabilidade social, visto que pelo aumento no consumo abusivo desse tipo de substância as consequências são desastrosas.

É possível observar que os impactos causados pela dependência química na família são grandes: estas pessoas acabam mudando toda sua rotina, perdem noites de sono, tranquilidade, e acabam vivendo em função do dependente, e muitas vezes aparentam não perceber isso. Em alguns casos é necessário se afastar do emprego para cuidar do dependente, e existe ainda a questão do preconceito que essas pessoas sofrem, ou seja, há uma necessidade enorme de voltar o olhar para essas pessoas.

Nesse sentido, entende-se que a família representa uma base muito importante que deve ser preservada. É questão urgente que os profissionais que atuam com essas famílias busquem entendê-las em sua totalidade, perceber que o indivíduo ali presente (familiar do dependente) também está em sofrimento emocional e psíquico, pois além de dar assistência ao dependente, também sustentam a si mesmos, carregando consigo um enorme sofrimento físico e psicológico. 

Qual o papel da família no processo de tratamento do dependente químico? 

A família é essencial para fazer com que o dependente químico não se sinta sozinho em um momento tão conturbado. É por meio do apoio familiar que o dependente terá o incentivo para seguir em frente e não se entregar de uma vez por todas ao vício e ir além da sua busca, mesmo quando quiser desistir. 

Codependência emocional na família

A codependência emocional trata-se de uma condição que submete um indivíduo a aceitar comportamentos inconcebíveis e a ter que lidar com as consequências deles sem conseguir se afastar. Esse é um quadro bastante comum em famílias com dependentes químicos, por exemplo, em que pais e familiares próximos abrem mão da própria vida e sonhos para se tornarem os amparadores do ente querido. Existe um forte sentimento de culpa ou de responsabilidade pelas decisões e acontecimentos da vida do dependente.

Isso afeta a dinâmica familiar, tornando o ambiente pesado e atribuindo comportamentos obsessivos ao dependente. Se, por um lado, o codependente se prejudica por abrir mão da própria vida, por outro, ele também prejudica seu objeto de dependência por colocá-lo em uma posição de incapaz, o que pode tornar a relação sufocante. 

Famílias fortalecidas contra as drogas 

A dependência química constitui um grande desafio para as famílias, que possuem um papel fundamental no desenvolvimento saudável de todos os seus membros. É na família que, inicialmente, se manifestam os fatores de risco à drogadição. Por isso, é importante que os pais fiquem atentos à rotina de seus filhos, sem esquecer que a conduta e o exemplo dos pais são fundamentais para evitar que os adolescentes se afastem da família e se sintam inseguros. Em grande parte, o uso de substâncias é impulsionado por questões emocionais, envolvendo depressão, ansiedade e baixa autoestima.

Os pais não devem temer falar com seus filhos sobre os supostos prazeres que as drogas possam momentaneamente causar, mas devem sim, destacar os prejuízos provocados como dependência física e psicológica, inclusive do álcool e cigarro. Pontuar que nem tudo que parece ser prazeroso é saudável. A obrigação da família é conversar e alertar ao adolescente sobre os perigos das drogas, tal conversa deve ser sem drama, com naturalidade, realismo, confiança e autoridade. Os filhos esperam dos pais um diálogo sincero, aberto com compreensão e verdade.

Frases ofensivas, punições ou lamúrias nessa hora podem influenciar de forma negativa e criar uma barreira, entre pais e filhos. Nunca diga ao filho que ele é um inútil, que nunca seria nada na vida, que ele é uma vergonha para a família. As palavras machucam e abrem feridas de difícil cicatrização e pode piorar esta difícil situação. A autoestima desse jovem, naturalmente se tornará baixa, sua dignidade pessoal está comprometida, neste sentido não existe necessidade de os pais estigmatizar e humilhar esse jovem.

Os pais devem ser os modelos para os filhos e nunca os opressores ou carrascos, ensinar aos filhos o certo e o errado por meio dos exemplos. Fortalecer a autoestima e o caráter desses jovens para que possam resistir à pressão do mundo das drogas é a grande tarefa das famílias atualmente. Os pais devem conhecer os amigos dos seus filhos, saber quais os locais que eles frequentam e observar os sinais e agir prontamente quando necessário. A prioridade, sempre será o bem-estar de todos os membros da família, acolher e amar uns aos outros ainda é a melhor prevenção contra as drogas.

Espero ter contribuido de alguma forma com o seu conhecimento.

Este texto é apenas um resumo do capítulo do meu livro:

SOUZA NEVES, Regiane. A importância da família como agente educador para os Novos Tempos. Souza & Neves Edições. Clube de Autores. 1ª edição. São Paulo, 2022 - ISBN: 978-65-5392-506-9

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